...Mãe já retirei o leite da cabra e preparo-me para ir dar uma volta com as ovelhas, o dinheiro que ficou na tua mesa-de-cabeceira é para pagar a conta da mercearia pois o senhor Chico já nos avisou que não nos dá mais fiado enquanto não pagarmos a totalidade da conta da semana passada. Com o pouco diheiro que sobrar podes-me comprar uns novos sapatos porque estes já se abrem há frente e neste verão os espinhos que atravesso no campo parecem cada vez mais... Aquele senhor que nos visitou a semana passada voltou a pedir um novo trabalhinho, não sei ao certo o que se passa comigo mas ontem pela primeira vez senti muitos remorsos ao ver aquele triste espectáculo na televisão. Mãe não quero fazer mais este tipo de trabalho, Sei que á noite quando vires este bilhete vais ficar aborrecida mas espero que não me batas mais como da última vez pois ainda sinto as marcas nas costas. Sei que é muito dinheiro que está no envelope que o Senhor Doutor deixou cá em casa, mas ontem até a ovelha do primo Augusto morreu queimada porque ao fugir da floresta deixei cair o isqueiro sem querer. As pessoas aqui da Aldeia não sabem o que eu faço para voltar a calçar uns os sapatos novos mas o pior é que estes sapatos podem voltar a custar vidas humanas e isso eu não quero mais... Pai tu que nunca deixaste que o Doutor se aproxima-se da nossa terra deves-me compreender mas infelizmente já nem escutar o meu lamento podes visto que a terra fez questão de te engolir para sempre. Mãe tenho feridas nos pés por percorrer tanto caminho ao longo do dia e quero descansar desta vida. Quero ser como os outros meninos da minha idade que jogam ao pião e as escondidas todos os dias deste verão. Quero voltar a brincar com o Douglas enquanto este me acena rejubilante com um osso na boca. Procuro que o meu passado não se cruze com o meu futuro.... Mãe não quero voltar a colocar lume nas florestas.... Mãe ainda te adoro muito... Vasco 11 anos de idade